quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Sérias 15

- Volta aqui, seu menino. Levado, levou-me as pernas numa leva de saudades. Volta, preciso ainda me rastejar...
O menino deu voltas e se foi, traçando círculos com os pés, a areia espiralada arranhando formas de caminho.
- Conhece esse desconhecido de onde? Parece que aquelas mãos...
- Levou a mão em um aperto, os braços num abraço. E agora as pernas, num salto de assalto. Mas ele sempre volta para buscar o resto.
Os restos que ao corpo restam, arrastados. A inocência foi escalpelada nas primeiras infâncias. – Para sentir na pele - assoprou-me ele, num dia ensolarado. Foram-se também os ombros, e com eles a leveza que suportavam. Com o peso da vida nas costas, teve levados os joelhos. Não se dobrar, não cair. Não levantar.
- E agora, o que falta?
- O sorriso perdi quando me dei por gente.
Percebeu que nunca o vira sorrir. E viu ao longe, saltitante, lindo em sua postura desenvolta, o menino às voltas com risadas trovejantes. Reconheceu o rosto dele naquela face infantil.
- Quando acha que volta para buscar os olhos?
Ele a olhou. Fixamente, viram-se um ao outro entre os reflexos de um piscar. Eram tristes, apagados. Mas irreparáveis em profundidade. Ela viu, lá no fundo, um menino que brilhava envolto por uma lágrima.
- Talvez os olhos sejam os últimos. Ele quer que eu o veja correndo e me levando com ele, pedaço por pedaço. Quer que eu me enxergue menino.
- É a morte que te leva aos poucos?
Ele lançaria gargalhadas se as tivesse no coldre, mas o gesto da cabeça lhe serviu ao disparo.
- A morte? Não, não. É a vida em seu mais inocente esplendor. A morte... A morte é o que resta, o que me resta...
Silêncio.