domingo, 24 de junho de 2007

Pérfidas 4

Pelo direito de ir ou A nulidade do devir

Anota lá na tua Constituição. Todo cidadão ou simplesmente ser citado tem o direito. De ir. E fica expressamente proibido. De vir.
Como artigo primeiro, o indefinido. Fica definido que ir é da indefinida condição humana. Ir é um caminho sem volta. Às voltas com sua ida, o possuidor desse direito deve descartar com natural veemência, ancorado em lei constituinte de seu ser, espalhar migalhas pelo caminho. Ou qualquer outro resto de existência que possibilite possível vinda por trilha anteriormente ida ou percorrida ou digerida .
Fica reservado a todo cidadão transbordar sem reservas tua própria cidade. Aquela que o habita. Da cidade que entranha engolido o ar que respira. E se enveredar perdido por caminhos achados. Este item capital instrui seu cumpridor a perder a cabeça. A cada passo. E estar impedido de olhar para trás. Com arquitetado pensamento de achá-la.
Não há dever ou devir a ser respeitado. Respaldado em tal desatribuição, fica obrigado todo ser rastejante sobre a terra ou flanante pelos céus a:
- sentir muito pelo pouco que é
- sentir tudo o que poucos lhe são
- sentir sempre o interminável fim
- sentir nada pelos nadas que se apresentem
- não sentir quando nada mais tiver sentido
Incontornados todos os sentidos dispostos, ficam revogadas todas as disposições em contrário. Sem ressentimentos.


sábado, 9 de junho de 2007

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Pérfidas 3

Arrasta corpo pelos próprios cabelos. Chega antes de sua presença. Vive de inquéritos.

- Não cansa carregar o peso desta toda tua nulidade nas costas? – inquire, desenvolta sobre a voz arranhada.

Suspiros. Entreouve um zunido. A unha, à boca. O olho parado pouco se move. Sempre responde como se nunca tivesse respondido respostas. Prontas, dialéticas, sintéticas, cartesianas quem sabe...

- Na verdade, tanto. E arcado estanco, nulo feito fato vazio. De qualquer significado. Mas aí, já mesmo parado, curvo os joelhos. Levo o cotovelo ao chão, as mãos ao rosto. A bandeja formada por meus dedos cerrados ao queixo. E espero passar. Um rio embaixo de mim. Dois sóis e uma lua sobre a cabeça. Ou à frente. Uma manada de nadas, dessas espécimes desesperadas – parece não responder.

Elaborava-se por tópicos, subdivididos em sub-reptícios relatórios pormenorizadamente relatados. Constantes em uma caixola vazia. E a partir dos indícios acumulados, acumulava-se de indícios descompartilhados. Assim vivia. E inquiria, às vezes desabafada.

- A inutilidade de ser-te já me exausta

- Foi assim que fui sendo. E tu e toda tua utilidade, não descansam teus casacos, tuas cascas ao acaso? – pergunta - quer deixar de ser resposta.

Milimetrava a pulsação do corpo. Para não ir além de onde os pés se plantavam. E erguia-se esguia para a voz ser ouvida como vista.

- Eu nunca parei. Para pensar.