sexta-feira, 16 de março de 2007

Sérias 5

Noite dessas, dia chuvoso. Se achega o Manuel Bandeira, quase oswaldiano.
- Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?
Eu com cara de aluno. Na lousa um ditado. Corro com as palavras.
- O céu.
Uma resposta adiante, ele todo prosa. Declama meia dúzia de olhares. Incólume, pouco pulmonar.
- Sobre sua cabeça.
E vai. Como se nem vindo tivesse.

sábado, 10 de março de 2007

Pérfidas 2


Ao inesquecível João Guimarães Rosa

e tudo fazia ou faria sentido. Entre seus sentidos.
- Doutor, é a rosa.
- Pelos sintomas, é um diagnóstico possível. Possível.
há pouco. O de branco mencionara ao de azul sobre o cheiro das rosas. E seus benefícios à memória. Foi um pitaco da ciência no esplendor raso daquela alma humana. Numa panacéia atropelada.
- Tenho certeza. Depois do dito não há dúvidas. O perfume da rosa, a memória, Os dois e minha cabeça. Ela que não sai da minha cabeça. Simples, doutor.
- Não me assustaria. Acompanhei traumas piores.
de branco, vestia um rosto branco. De dentes brancos. Cabelos brancos. Voz acalantadamente branca, branda.
- Pior? O senhor não sabe o que é lembrar de esquecer. Lembrar pra tentar esquecer.
- Bem...
- Claro, claro. Até o Chico Buarque faz parta desse complô.
os olhos percorriam de ponta-cabeças o teto. E se afundavam em teias macias de imaginações.
- Complô? Do Chico Buarque? Calma. Não curo paranóias e afins. Sem exageros.
- É que a música, A Rosa... Ela me lembra ela. Como um eco. Que transita os tímpanos do meu corpo. Memória que ressoa cantos. Por todos os cantos. Faz dueto com Pixinguinha. Por dentro de mim. Divina e graciosa, estátua majestosa. O choro mais incessante. Aguento doutor, diz?
dobraram-se os joelhos. Encurvados obtusamente. No sustento das pernas. A cabeça, pra frente. O olhar perdido. Professava silêncios. Fraquejava palavras.
- O cheiro da pele, doutor. O perfume. Não esqueço nunca. Inundou o ar que respiro. Uma atmosfera transbordante. De rosas vermelhas. Se pudesse apostar, seria nas vermelhas. Mas têm dias que sinto as brancas. Quando acordo. É da mesma pele. Mas são brancas.
- Grave. Muito grave.
voltou a se encostar. Mãos abraçadas. Pensava nos pensamentos. Conectava lembranças.
- Sem falar na beleza. Dela, da rosa. Já enxergou o sublime, doutor? Flerte com as rosas. Beleza irradiante, faz sombra ao sol. Ilumina a memória. E não se apaga. Não sai, não cai. Nem a base de homéricos porres. Fica por lá. Calada, soberana.
- Talvez possa ajudar. Terá que ficar internado. Por pouco tempo.
num susto, saltou e se sacudiu. Como que acordou.
- Nem morto, doutor. O que o senhor quiser menos isso. Sigo o tratamento. Mas não fico encarcerado debaixo destes lençóis. Basta minha prisão sem grades.
o tom da voz recuperara um ar menos sôfrego. Aturdido, ansiava as próximas sentenças. A bula, o emplasto. Os efeitos placebos desmemoriáveis.
- Como preferir. O tratamento dura seis meses. Todos os dias, fielmente. São seis espinhos a cada quatro horas. Engolir a seco. Sem mastigar.
até sorriu. Sem deslocar muitos músculos, mas sorriu.
- E se apagará de minha memória todo esse jardim de pensamentos, doutor?
- Não restarão pétalas sobre pétalas. Nem para um último bem-me-quer-mal-me-quer.