domingo, 19 de dezembro de 2010

Ocasionais 5

Era eu mas era também um mundo todo e eu não queria todo mundo ali, parado, me olhando.

Tinha toda uma luz apontada para mim, mas todos os seus raios incomodavam menos que um sol deles, que mirava no cume da ponta dos meus olhares. Peito a peito, ombro a ombro, éramos enfrentáveis em estatura, mas veja sua sombra. Ela me faz parecer um pequeno astro incandescente, raivoso e arrogante fazendo birra em meio ao universo mais acomodado e preguiçoso do universo.

Nem você nem ninguém sabe perder. Soubessem ou fingissem, me sabotariam com rasteiras menos prudentes. Não, não nem não. Vão manter o fim em que o pouco vira nada, e eu, nenhum. É sua lei do mais fraco.

E faço por onde a não ser pelo avesso, que é o cerco por onde me perco? A ponte é pênsil, eu sei, mas sou menos que móvel. Por isso, e por favor, sem reverências muito declináveis que me dói as costas. Empurra, mas empurra forte. Viu o abismo que se abriu, então seja menos cruel quando for salvar alguém do buraco.

Continuemos, fissurados ou na mais superficial das profundezas. Como eu ia te desenhando, era eu, mas tinha muito, tinha tudo, aliás. Um tanto que não aguentaria ainda que fosse a missão mais leve que nem você nem ninguém me entregassem. É uma questão de lógica: o peso é seu, eu só vim condenado a carregá-lo. Vire-se com os caminhos.

Tem uma força que me puxa para cá, a outra para lá. Uma, pra baixo. A outra puxa para cima, pelos pulsos. E vocês brincando de me pedir para ir à frente, como se eu não fosse sem direção.

Pronto, cansei. Me abandona em qualquer lugar. Vai embora você e todo o mundo, nem você nem ninguém. Eu vou ficar bem com ou sem você, criatura ou criador,

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Ocasionais 4

Era um universo pequeno e cinza, mas era meu.

Nunca senti falta do sol. Tinha teus olhos e me alimentava dos movimentos de tua boca. Escondido no silêncio de nossos subterrâneos, nunca teria acordado se a luz não invadisse meu esconderijo. Expulso do silêncio de sua pele, sou só mais uma peça que alterna a dúvida dos movimentos com essa imobilidade inquietante.

Vou pular para a próxima casa, contornar mais um obstáculo, e tentar ser um horizonte, ainda que em diagonal. Mal consigo, porém, mirar para o alto. Se me agachar viro pedra? Queria poder rolar esfarelante rumo a qualquer poço de lembranças turvas e liquidar todo meu volume.

Mas se deitar viro terra? Bastaria a mim não ser superfície. Lá dentro do meu universo, éramos ar. Era pequeno, cinza e sufocante, mas era meu.

sábado, 24 de julho de 2010

Ocasionais 3

Só escreve uma carta de amor, meu amor, quem tem um endereço conhecido. Fica no quarto ao lado da janela fechada pela inconveniência dos uivos do sol que insistem em atrapalhar minha escrita com lembranças de horizontes abraçados ao toque de seus dedos. Em cima da mesa, sob o chão empoeirado de lágrimas que mais parecem cera de velas apagadas por lágrimas de um remetente qualquer. Você conhece, tem as chaves da porta da cozinha e pernas fortes para arrombar a parede do quarto que separa minhas palavras no papel de seus olhos cínicos e inclementes.

Sim, meu amor, para rejeitar uma carta de amor você precisará mais do que uma caixa de correio impenetrável. Se a qualquer um bastasse apenas o endereço desencontrado, um carteiro desavisado ou a miopia repentina, nenhuma carta de amor seria forjada, arrancada, martelada, chorada, escrita, maldita.. Vai precisar se recolher na violência da indiferença patrocinada pelos rancores mais viscosos – não, não quero, não basta.

Com amor,

seu remetente...

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Ocasionais 2

É sempre a mesma obra. Você constrói um monumento de sentimentos, adorna com olhares, envolve-o com a maciez da pele, salpica nele o cheiro que o transforma em um jardim de lembranças. Apaixona-se pelo que consegue envolver com os braços e acariciar com o pensamento.

Com a cabeça no ar, se esquece de que tudo o que consegue sentir é mais frágil do que um moinho de vento. E num assopro vê seu paraíso desmoronar sobre a cabeça.

É preciso engolir todos os tijolos. Sentir o peso de cada um deles. O mais pesado esmaga o que resta de um coração. A vida digere os cacos, entulha as lágrimas. E todos os dias se respira a ruína do monumento que imaginou eterno.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Ocasionais 1

Eu nunca escutarei o que você grita nem nunca entenderei o que quis dizer quando, quando mesmo? Éramos tão silenciosos antes dessa trovoada de vozes inauditas.

Sonhava em ser lírico antes de me perder nas projeções de mim e ficar atônito. Sou sem som.

Minhas palavras rastejam atrás dos pensamentos que não manifesto. Que sufoco. Soam ecos agonizantes da mudez mais retumbante, ouve? Eu penso, mas ajo como se tivesse as paredes da cabeça ocas.

Não gosto de me mover. Queria ser espontaneamente brusco, mas não passo de uma poltrona. É bom recostar-se em mim, mas nunca espere carinho de um couro puído. E escape surpresa se minhas pernas intactas tentarem um abraço. Afinal, nem a sofá consegui chegar para ostentar grandes braços.

Se eu corresse desesperadamente, chegaria a algum lugar mais rápido. Mas no momento não consigo localizar o ponto de partida. Minhas pernas vivem juntas e dormem uma sobre a outra. Gostaria que fossem corajosas o suficiente para saltarem para horizontes extremos. Ficaria aleijado, mas sentiria o óleo do tempo contra minhas engrenagens.

Com dedos hábeis, eu poderia colher milhares de pequenos talos de vida e amontoá-los para formarem uma torre. Lá de cima eu me satisfaria em vigiar o jardim ceifado para construir meu escombro de satisfação. Submerso e com tentáculos vigorosos, eu nadaria de água em água à procura das ondas que insistentemente esculpem as bordas do tempo. As pinças que me brotam das mãos, porém, fazem menos do que entrecortarem papéis amarelos de melancolia. Feito tesouras, repetem-se no abre e fecha de lâminas inscoscientes de seu movimento que separam eu amo de você, fique de por perto, momentos de eternos. Corta.

Preciso partir-me. Montarei em minhas costas para fugir do nó movediço de minha garganta. Ela insiste em soluçar, mas eu só quero fugir.