segunda-feira, 19 de abril de 2010

Ocasionais 1

Eu nunca escutarei o que você grita nem nunca entenderei o que quis dizer quando, quando mesmo? Éramos tão silenciosos antes dessa trovoada de vozes inauditas.

Sonhava em ser lírico antes de me perder nas projeções de mim e ficar atônito. Sou sem som.

Minhas palavras rastejam atrás dos pensamentos que não manifesto. Que sufoco. Soam ecos agonizantes da mudez mais retumbante, ouve? Eu penso, mas ajo como se tivesse as paredes da cabeça ocas.

Não gosto de me mover. Queria ser espontaneamente brusco, mas não passo de uma poltrona. É bom recostar-se em mim, mas nunca espere carinho de um couro puído. E escape surpresa se minhas pernas intactas tentarem um abraço. Afinal, nem a sofá consegui chegar para ostentar grandes braços.

Se eu corresse desesperadamente, chegaria a algum lugar mais rápido. Mas no momento não consigo localizar o ponto de partida. Minhas pernas vivem juntas e dormem uma sobre a outra. Gostaria que fossem corajosas o suficiente para saltarem para horizontes extremos. Ficaria aleijado, mas sentiria o óleo do tempo contra minhas engrenagens.

Com dedos hábeis, eu poderia colher milhares de pequenos talos de vida e amontoá-los para formarem uma torre. Lá de cima eu me satisfaria em vigiar o jardim ceifado para construir meu escombro de satisfação. Submerso e com tentáculos vigorosos, eu nadaria de água em água à procura das ondas que insistentemente esculpem as bordas do tempo. As pinças que me brotam das mãos, porém, fazem menos do que entrecortarem papéis amarelos de melancolia. Feito tesouras, repetem-se no abre e fecha de lâminas inscoscientes de seu movimento que separam eu amo de você, fique de por perto, momentos de eternos. Corta.

Preciso partir-me. Montarei em minhas costas para fugir do nó movediço de minha garganta. Ela insiste em soluçar, mas eu só quero fugir.