quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

Clínicas 2

Continuação, por inércia. Jesus Cristo estava na cruz. Pendurado por um cinto. Tinha a cara de um menino. Alcunhado João Hélio. Pilatos e sua gangue o torturavam. Num arraste doloroso. Morreu por nós e a culpa é deles. Dedo em riste, ao pé da cruz. Acusam. E acusam-se. Os vendilhões do templo trocam sua mercadoria. Anunciam crucifixos. Pequenas imagens, do pequeno. Os profetas professam o caminho da salvação. Que o corpo em sua mortalha infantil seja exemplo. Fiéis e infiéis ajoelhados. Num derramar de lágrimas, os olhos sedentos. Justiça seja feita. “Em nome dos Nazarenos”. Profetas e comerciantes se unem aos anunciantes. O nome do redentor se espalha. Em imagens, missas e procissões. Não se ouvia há muito tempo. Por estas terras palestinas, digo. Um coro tão fervoroso de pregações. A morte e a ressurreição pela boca do povo. E como todo cristo que se preze. Aquele pelo qual se reze. Merece ser velado. Com festa. Entrudo, exaltação da carne. É carnaval. Cantam todas as esquinas. Salve João Hélio. Com muito confete. E hipócritas serpentinas. Homenagens ao menino. Fazem-se ouvir. E se ver. Por toda avenida. E já vem a quarta de cinzas. Reflexão dos pecados. Pelo que se tem passado. Continua o espetáculo. Nas noites de quaresma. Os perseguidores serão perseguidos. Pelos papas acusados. Exaltado o nome do menino. Todos seremos salvos.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Clínicas 1

João Hélio é o nome. Que virou até praça. No Maracanã ganhou faixa. E incontáveis passeatas. Todas devidamente abarrotadas de cartazes: "João Hélio", "Paz", "Providências autoridades!". Está nas manchetes, nas eletrônicas enquetes. Daqui a pouco no Youtube vira esquete. O crime bárbaro que o vitimou é a nova vitamina das expiações nacionais. Já se tornou vedete ao vivo a tristeza de seus pais. Depois do Fantástico talvez o Faustão, cobrando justiça e catalisando o clamor da população. O crime hediondo veste a tragédia grega. Jovens e velhos, homens e mulheres, bebês e vermes assistem a reportagem e levantam uma alheia bandeira. E se eu dissesse que tudo é normal – faz parte da tragédia brasileira? Patriotas minguados, ratos abastados, telas cristalinas. São tantos os sujeitos nessa imensa latrina. Do garoto brutalmente assassinado fizeram seu show. Mereceu a classe média uma convocação - ela, sempre tão a espera de uma ordem. De uma opinião pra chamar de sua. Estamos em luto, “olha a nossa cara de indignação”. Não tardou a se levantar do sofá e pedir a cabeça dos assassinos sem sair do lugar. Segue o roteiro da novela da morte cruel do menino, já que a das oito vai mal (mas não percam, vem aí Paraíso Tropical). A barbárie sanguinária e o Big Brother Brasil: shows de realidade. Ligue agora e dê seu voto. Todos têm voz em nossa democrática sociedade.

A violência do ato, uma desumanidade brutal. Demonstração radical de um sistema de forças. O lucro de cinco bilhões do Bradesco segue a mesma lógica, mas é considerado normal. Os requintes de crueldade são sua forma de afirmação. Arrastaram o garoto numa exibição de seus dotes. É como um diploma pendurado da pós-graduação. Somos tão iguais. Seguimos a lei da natureza. A lei do mercado. Os mais aptos sobrevivem, nisso não há pecado. É preciso vencer. Quem ganhar pela inteligência ou por uma boa indicação é eternamente louvado. São muitas oportunidades, é só agarrá-las. Alguns não têm chance no imenso mar de profissionais probabilidades. Que sejam mansos. E nunca atentem contra nossa felicidade. Caso contrário, serão enjaulados. Menor ou maior, preto ou escuro – talvez pardos. Leis serão aprovadas. O exército irá para as ruas. Mais pais e mães darão entrevistas com lágrimas de tristeza. E desejaremos vingança. Favelas serão dizimadas. Sua corja feito frita. Em água fervente escalpelada.

Pobre menino. Vítima inocente de nossa natureza ordinária. Mal viu com os olhos o mundo. Provou do veneno inoculado em todos os seres humanos. A sede insaciável de querer e poder. Não desfrutará dessa sociedade sectária.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Sérias 4

Numa briga de amantes...
- Te faria arcar com o peso das suas palavras se não as engolisse com tanto prazer.
- O quê?
- Cala a boca.

Mundanas 2

Aposentada da União Soviética, a senil Rússia ainda é a mesma. A barba crescida e os cabelos grisalhos tomaram o lugar do bigode bem aparado e o cabalo ruivo corte sisudo. Capitulou ou se capitalizou? Repaginada para virar a página. Atrair menos holofotes. Deixou os servicinhos mais aborrecedores para trás. Que ficar correndo de chinelas na mão atrás de moldávios, geórgios, cazaquistãos e o resto da molecada do bairro que nada. São bem grandinhos, donos de seus narizes - não dos arsenais.

De volta às manchetes, mudou de discurso e alfabeto. Agora é rica comerciante. Vende óleo e gáz. Principalmente aos europeus, antes tão relutantes em se sentar à mesma mesa para um bate-papo camarada. Continua bebendo. Mantém outros hábitos da arrogância juvenil. Anota tudo em seu diário. A tara por armas , por exemplo. Quantas e quantas páginas dedicadas à sua prepotência militar. Fala dos novos brinquedos como uma criança. O helicóptero moderninho, os caças que são a última moda lá nas planícies geladas. E os mísseis, que tamanhos e calafrios. Os planos espaciais continuam. Missão marte? Quem sabe. Coisa engraçada. De todas as línguas em que escreve no diarinho, somente no inglês não menciona a volúpia bélica. Deve ser pra não provocar ciúmes no novo amigo americano.

Quem achava que ia perverter a velha Rússia com timidas insinuações democráticas se deu mal. Mandar por lá é tarefa para poucos. Obedecer, uma ameaça constante. Eleições, por exemplo. São desncessárias. O próximo dono do poder já foi escolhido pelo atual. Está escrito em suas páginas oficiais. Nada de boataria, está pendurado pra quem quiser se aperceber do fato. Se não souberem entender, são outros quinhentos. Em dólares por favor, o rublo é fraco. E o resto é teatro. O controle sobre as marionetes, total. Parece que a liberdade não se acostumou ao frio.

No futebol, os campos continuam glacialmente brancos. Mas os verdes dólares do negro petróleo trouxeram novidades. Fazem compras no atacadão de garotos brasileiros.

As belas russas continuam as mesmas. Umas mais comportadas. Outras, nem tanto.




terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

Sérias 3

- Ama nada
- Amo sim
- Não ama, não
- Amo, juro
- Jura?
- Não sei, você pode ter razão
- Em quê?
- Talvez eu não ame
- Diz que me ama, por favor. Diz...

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

Mundanas 1

- Prenderam o sul-coreano, presidente da Hyundai.
- E?
- Devia mandar e desmandar . Segundo maior grupo industrial do país. Dinheiro e poder pra dar ordem até pro presidente. E mesmo assim foi preso.
- E?
- Pensa bem. Seria como a PF entrar numa reunião da Febraban e sair de lá com todos algemados.
- Mas o coreano roubava. E o crime deles qual é?
- Pois é. Qual é?


O governo indiano quer pendurar uma venda nos olhos do Google Earth. Está preocupado com tanta exposição da intimidade indiana. Pontos muito sensíveis podem ser observados lá do alto da tela do computador. Tara voyeur levada a dimensões territoriais. A preocupação maior nem é o olhar traquina por debaixo das vestes do bilhão e mais um tanto de indianos. São as instalações sensíveis. Usinas nucleares, instalações militares, coisas mais explosivas. Não custa nada o Google dar uma manchada nas imagens. Menos definição e mais prudência nunca fizeram mal a ninguém, já diria algum general de cinco estrelas. O Google está conversando. Parece inclinado a evitar a superexposição dos indianos ao seu programete espião. Censura informações na China mesmo, o que são umas imagens da Índia? Mais um agrado institucional do tipo não fará mal a ninguém - oficialmente falando. E assim vai se acostumando o Google a fazer negócios mundo afora, adentro, acima. E abaixo, dos panos.

sábado, 3 de fevereiro de 2007

Pérfidas 1

- Vai jogar com a quinze?
Descoberta do dia: a quinze pode ser deixada à mesa durante as tacadas. Se cair, perde o jogo seu algoz.
- Sei lá. Que merda. Agora sou culpado por esse mundo ser uma merda?
- Calma. Fica fora a quinze.
- Não era isso. Isso aqui, leu? "Otimistas vivem mais que pessimistas". Como se não crêr nessa gibiteca piegas de realidade fosse uma escolha. Olha, ou você é de Deus ou do Capeta. Ou bom ou mal, otimista ou pessimista. Lorota otária. Faltava uma. Essa. Não compartilha do Éden que servem cotidianamente no self-service da vossa famigeradinha vidinha? Azar. Viverá menos para contar a história. Estoura. Logo.
As bolas se amontoam em um mesmo canto. Uma par, a dois, escorre pela caçapa. Antes, tropeça em outra. Também par. Eis a seis, morta.
- Vai otimista, feliz. Rabisco de Walt Disney. Mata todas e desfruta da eternidade.
- Não entendi. Por que viver mais? Se é uma merda, não vale essa ficha. Na verdade, é máscara. Marra. Realista? Troça. Travesti, caprichoso ainda. Não se auto-ajuda.
Todo pessimista é um otimista fracassado. Opinião de especialistas do comportamento. Alheio. Faz birra para gozar com mais prazer. Opinião de otimistas. E publicitários.
- À puta que o pariu. Não é religião, não vou repetir. Ou acha que fui batizado nas pessimistas águas da Catedal de Schopenhauer? Se fuder. A Ivete Sangalo, ela é ridícula. O novo comercial da Skol, para idiotas. Imbecil não é engraçado. Nada tem graça, vem de graça. Faz tempo. Você não escolhe. Eles te escolhem. Mas, pense como um pessimista. Se a vida é assim, a morte deve ser bem pior. Deve ser colorida. Cheia de coisas divertidas. Bichos. Crianças bebês. Músicas sintéticas. Pessoas felizes. Ou simplesmente nada. Uma hemorragia de extremos.
- É, você está fudido...
Odes ao sarcasmo. Pai do pio pessimismo, hóstia dos incrédulos.
- ... vai morrer cedo e sozinho. E se duvidar, sai no Jornal Nacional pintado de comoção. Qual a parte de sua patética piada sobre o horizonte cinzento que te espera que eu perdi? Ri do quê?
A partida acabada, três jogadas. Consumia-se em equilibristas brasas o cigarro. Filtro branco, amenizai o mal. Amém.
- A notícia aí embaixo, dá uma lida. "Detentos vivem mais que pessoas livres"

Sérias 2

Fugia da diaba como o diabo foge da cruz
Mas que inferno, me esquece
Quanto mais eu rezo mais a tentação aparece
Vai de retro, satanás
Pros diabos que te carreguem
Demônio de saias
Negociou tua alma, deixa a minha onde está
Volta pras profundezas, leva o coração
E me deixa respirar

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

Sérias 1

Agoniza preocupado
com a alça do caixão
Se de prata ou de ouro
ou simplória de latão