quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Clínicas 1

João Hélio é o nome. Que virou até praça. No Maracanã ganhou faixa. E incontáveis passeatas. Todas devidamente abarrotadas de cartazes: "João Hélio", "Paz", "Providências autoridades!". Está nas manchetes, nas eletrônicas enquetes. Daqui a pouco no Youtube vira esquete. O crime bárbaro que o vitimou é a nova vitamina das expiações nacionais. Já se tornou vedete ao vivo a tristeza de seus pais. Depois do Fantástico talvez o Faustão, cobrando justiça e catalisando o clamor da população. O crime hediondo veste a tragédia grega. Jovens e velhos, homens e mulheres, bebês e vermes assistem a reportagem e levantam uma alheia bandeira. E se eu dissesse que tudo é normal – faz parte da tragédia brasileira? Patriotas minguados, ratos abastados, telas cristalinas. São tantos os sujeitos nessa imensa latrina. Do garoto brutalmente assassinado fizeram seu show. Mereceu a classe média uma convocação - ela, sempre tão a espera de uma ordem. De uma opinião pra chamar de sua. Estamos em luto, “olha a nossa cara de indignação”. Não tardou a se levantar do sofá e pedir a cabeça dos assassinos sem sair do lugar. Segue o roteiro da novela da morte cruel do menino, já que a das oito vai mal (mas não percam, vem aí Paraíso Tropical). A barbárie sanguinária e o Big Brother Brasil: shows de realidade. Ligue agora e dê seu voto. Todos têm voz em nossa democrática sociedade.

A violência do ato, uma desumanidade brutal. Demonstração radical de um sistema de forças. O lucro de cinco bilhões do Bradesco segue a mesma lógica, mas é considerado normal. Os requintes de crueldade são sua forma de afirmação. Arrastaram o garoto numa exibição de seus dotes. É como um diploma pendurado da pós-graduação. Somos tão iguais. Seguimos a lei da natureza. A lei do mercado. Os mais aptos sobrevivem, nisso não há pecado. É preciso vencer. Quem ganhar pela inteligência ou por uma boa indicação é eternamente louvado. São muitas oportunidades, é só agarrá-las. Alguns não têm chance no imenso mar de profissionais probabilidades. Que sejam mansos. E nunca atentem contra nossa felicidade. Caso contrário, serão enjaulados. Menor ou maior, preto ou escuro – talvez pardos. Leis serão aprovadas. O exército irá para as ruas. Mais pais e mães darão entrevistas com lágrimas de tristeza. E desejaremos vingança. Favelas serão dizimadas. Sua corja feito frita. Em água fervente escalpelada.

Pobre menino. Vítima inocente de nossa natureza ordinária. Mal viu com os olhos o mundo. Provou do veneno inoculado em todos os seres humanos. A sede insaciável de querer e poder. Não desfrutará dessa sociedade sectária.

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