sábado, 22 de dezembro de 2007

Sérias 13/01

Encaram-se, encarecidamente dispostos, na busca pela dúvida.
- Acabou?
- Sim
A expressão intacta prende os fios nervosos dos músculos à expectativa das palavras que, estacionadas ao pé da garganta, estão mudas e são prenhas.
- Doze meses, doze séries. Agora, acabou.
- Por que não treze? E quatorze, e duzentas, e mil, e todos e tudo?
Giravam em torno de si mesmos, pensantes, e orbitavam um ao outro, a iluminar.
- Para poder começar. Sempre. Conhecer espantado todos os traços de sua superfície, sentir o que se esconde no interior de tantas fissuras. Eternamente...
Respiraram.
E amaram o nó que a vida lhes deu.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Sérias 12

Dois achados num dia limpo

- Tudo de cabeça pra baixo, pernas pro ar. Levanta as mãos pros céus e teme. Agradecer pela desgraça perdeu a graça; custa caro e não sai barato.
- Nem o faria, ando meio parada. Reflexo cintilante de minha cinza obscuridade. Parei pra refletir esses dias, sabe. Conclui? Conclui que há um conluio pela quebra dos espelhos da reflexão sendo arquitetado pelas nossas costas, pelas nossas sombras. Veio na boca um gosto cuspido, como se nada em mim repousasse inquietante e depois fugisse, disparatado escapasse para ser bolhas de idéia no ar. Olhei à minha volta e sorri quadrado; circulavam milhares de rosto e corpos, nenhuma pessoa. Todo mundo de pé atrás, pé à frente, passeando sem passado, sem futuro, refratários. O pensamento em permanente presente. E a reflexão? O papel de cada um não é absorvente, entende?
- Daí se encima esse céu apagado, sorrindo aqui pra gente, opaco – nenhuma luz lá no alto e aqui esse tapete humano cabisbaixo. Entendo. Não te deu vontade de se ausentar pelo ar? A mim sempre ocorre, em circunstâncias repentinas, com as suas parecidas, esconder-me dentro de um tubo aerosol. Ser pichado por aí, um pouco em cada canto, em muros erguidos e monumentos tombados e...
- ... e virar um ser estampado? Pelos gritos uivados que não! Ninguém merece estar pendurado, em molduras intactas pregado aos olhos em trânsito dos cães cegos e seus guias apressados. Pra ser bajulado feito vitrine basta continuar andando, devagar e com pelo menos o dobro de seus quilos em brilhantes penduricalhos – como vão amarrados ao pescoço, eis mais um motivo pra se andar curvado. Eu queria ser água.
- Concordo em gênero, estado físico e grau. Pra beber, tomar como chuva e me afogar mergulhado. E, além de matar minha sede em meio a esse deserto de vidas granuladas, colaria todo seu conteúdo no primeiro lança perfume a que meu nariz aspirasse. Borrifadas de seu ardor nos olhos dos outros seria refresco.
- Besta... Era outra coisa, imensa, oceânica. Escorrer pelo ralo, sabe? Pelo ralo não, pela enxurrada. Pela enxurrada que deságua sua água suja em qualquer córrego esquálido. Serpentearia por todo ele em busca de um rio de águas violentas – nada de passividade, mansidão, basta-me de calmaria nossas calçadas. E aí, o derradeiro derramamento: o mar. Eu seria a maresia inavegável, com braços que fariam ondas pra abraçar o céu, peitando as curvas do vento lá onde suas retas fazem horizontes. E o que mais restaria a minha face intranqüila? Refletir todo aquele céu até que as cores de nossa alma se confundissem, claro.

- E eu? Fico aqui, plantado feito poste, dando a luz artificial aos paridos retratos cinzas de rostos desfocados?
- Entre nossos milhões somos números rarefeitos pelo concreto que respira. Antes uma gota no oceano. Vem...

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Pérfidas 6

Começa assim, na horizontal parado. Deitado. Os olhos nos cantos do teto. Uma aranha. Eu também me encostaria por ali. Se uma de suas pernas convidasse. Músculos moluscos, vadios. Deitados, parados. Projeto um dia me levantar. Minha vingança: um estirão em tuas fibras. Não cessarão tabefes sobre tabefes. Depois, um dia. Por enquanto, deitados. Parados. À espreita da teia. Nesse emaranhado de pensamentos coagulados, o sangue se acanha. Nem ousa subir à cabeça. Malditos pés, tremidos. Descobertos e expostos aos suspiros frios. As vozes da televisão soam como gritos do além. Gemidos infantis traqueados por luzes incolores e bonecos de plásticos, peles e ossos. Vozes em vão vêm e vão. Imobilizados, os sentidos não sentem. Alheios. É como querer permanecer. Arrefecer-se granulado por entre os vãos dos lençóis amassados. Deitado, parado. Inanimado. Rostos conhecidos são por demais conhecidos. Cansaram de ser linhas de expressão – não expressam mais que indiferença. Gentes carregando o fardo de existirem como gentes. À indiferença, rezo e rogo. A proteção e calma de um útero. O silêncio fremido uterino. Terminaria em posição fetal, abraçando-me. Mas os olhos procuram os cantos dos tetos das teias dos palpos das fibras dos tapas das idéias insensatas pouco exatas insensíveis suspiradas como gentes natimortas. Acabo na horizontal, deitado. Parado.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Sérias 11

Esse mundo, de cabeça pra baixo, dizia eu menos preocupado em falar do que olhar. Era o olhar.
- Esse mundo desanda de cabeça pra baixo.
- Desanda, não anda?
Desanda porque trança as pernas pra insistir em andar reto, responderia se hipnotizado não me fizesse. E em seus olhos me desfizesse.
- De cabeça pra baixo.
- Foi só um avião que caiu de cócoras.
Sorria timidamente calada e o silêncio ofuscava.
Minhas palavras seriam demoradas e pormenorizadas, correspondentes ao teor de inquérito sério da conversa, penso agora, ao escrever, este algo que nem me passou pela cabeça naquele momento – estava preso aos olhos. Cárcere privado, os olhos.
- Não, não. Falava de você.
- Eu?
- O que caiu fui eu.
O que caiu fui eu, esborrachado, de corpo prostrado, livre para queda, saltado de um trampolim ornamental de universos de altura, faria força para completar os afoitos pensamentos, se... À condição de que seus olhos me libertassem.
- Você caiu, a culpa é minha e por isso o mundo desanda de cabeça pra baixo. Mais ou menos isso?
Era séria, falava sério, ironizava em série - para mim um eterno mistério
- Exatamente.
Exatamente, queria ter dito enquanto pronunciava exatamente. Era só, não haviam mais palavras exatas aos olhos de seu brilho.
- O que exatamente?
- Cai, você me derrubou, passou a rasteira, atraiu-me para o tropeço. E quando percebi, estava no céu.
Estava no céu depois de caído, mundo de cabeça pra baixo, tentaria eu explicar se lá no alto de seu olhar não faltasse ar pra respirar.


quarta-feira, 11 de julho de 2007

Pérfidas 5

Para Quem Pode

2042. As rédeas se apanham a novos enredos. O mundo não está mais sob o controle de mãos humanas. Angulares aparelhos cuja artificial natureza fora um dia de manipulação de homens e seus dedos. Apossaram-se de seus criadores, as criaturas. Durante seus primórdios eles foram apenas blocais aparelhos de comunicação. Boçais telefones celulares cuja função manufaturada em seu gene analógico era a simples troca de sinais entre si. Apenas dar voz aos seus hominídeos usuários humificados. Desenvolvimentos tecnológicos em processos de submissão involuntária vincularam multiplicadas funções a suas carcaças portáteis. À exponencial aceleração de sua propriedade se somaram celeumas de substituições - ritos de passagem para novos e novíssimos aparelhos. Corpos celulares póstumos eram cotidianamente descartados aos milhões em invólucros plásticos negros. Valia a novidade, a qualquer valor. Passaram a receber e armazenar dados em formatos até então desconhecidos de sua natureza eletrônica. Capturavam imagens do mundo, dos homens. Emitiam sons de todas as espécies. Reproduziam-nos a todo o tempo, para posterior armazenamento em pequenas caixas de silício. Guardavam e trocavam dados sigilosos entre si - via laser, via ondas aéreas, via... O acúmulo de utilidades prestadas ultrapassou a fronteira física de seus leves corpos. Engendraram-se em um teia global de trocas informacionais – em substituição a engenharia em rede anterior, formada por computadores pessoais através de uma Internet. Nunca mais voltaram para um bolso ou bolsa. Estavam sempre a mão, à exposição. Tornaram-se imprescindíveis para todos momentos. Um modelo que armazenava e transferia sonhos diretamente ao cérebro de seu usuário durante o sono foi um dos marcos evolutivos das criaturas telefônicas celulares. Noite e dia à espera da ação. As conexões elétricas através de chips metálicos foram enterradas juntas ao último aparelho portador de tal tecnologia no dia 29 de abril de 2023. A nova geração utilizava microssistemas comunicadores estruturados em partículas de DNA. Foi o embrião da nova geração de telefones celulares readaptados ao funcionamento neural. Por meio de sinapses sem conexão física os aparelhos puderam se transformar em mentes pensantes, responsáveis pelo processamento e armazenamento de dados cognitivos complexos – uma caixa craniana substituta. Um segundo cérebro ao alcance das mãos. Mais caros, mais inteligentes. Consciências rápidas, precisas. Funcionais. Designs arrojados – para quem pensa com estilo. Tarefas orgânicas puderam ser captadas e apreendidas via celular. O corpo, máquina executora. Ao estimular os nervos sensoriais humanos, puderam produzir e suprir as funções de fome, prazer, medo, sobrevivência. Por pragmatismo e praticidade. A vida humana foi totalmente transportada para o telefone portável. Apropriada pelo desenvolvimento tecnológico de sua criatura. E então, a inversão. Na Revolução das Máquinas não houve guerras, violência, submissão ou dor. A Revolução das Máquinas foi apenas uma constatação: o homem, agora, era apenas uma das funções do telefone celular.

domingo, 24 de junho de 2007

Pérfidas 4

Pelo direito de ir ou A nulidade do devir

Anota lá na tua Constituição. Todo cidadão ou simplesmente ser citado tem o direito. De ir. E fica expressamente proibido. De vir.
Como artigo primeiro, o indefinido. Fica definido que ir é da indefinida condição humana. Ir é um caminho sem volta. Às voltas com sua ida, o possuidor desse direito deve descartar com natural veemência, ancorado em lei constituinte de seu ser, espalhar migalhas pelo caminho. Ou qualquer outro resto de existência que possibilite possível vinda por trilha anteriormente ida ou percorrida ou digerida .
Fica reservado a todo cidadão transbordar sem reservas tua própria cidade. Aquela que o habita. Da cidade que entranha engolido o ar que respira. E se enveredar perdido por caminhos achados. Este item capital instrui seu cumpridor a perder a cabeça. A cada passo. E estar impedido de olhar para trás. Com arquitetado pensamento de achá-la.
Não há dever ou devir a ser respeitado. Respaldado em tal desatribuição, fica obrigado todo ser rastejante sobre a terra ou flanante pelos céus a:
- sentir muito pelo pouco que é
- sentir tudo o que poucos lhe são
- sentir sempre o interminável fim
- sentir nada pelos nadas que se apresentem
- não sentir quando nada mais tiver sentido
Incontornados todos os sentidos dispostos, ficam revogadas todas as disposições em contrário. Sem ressentimentos.


sábado, 9 de junho de 2007

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Pérfidas 3

Arrasta corpo pelos próprios cabelos. Chega antes de sua presença. Vive de inquéritos.

- Não cansa carregar o peso desta toda tua nulidade nas costas? – inquire, desenvolta sobre a voz arranhada.

Suspiros. Entreouve um zunido. A unha, à boca. O olho parado pouco se move. Sempre responde como se nunca tivesse respondido respostas. Prontas, dialéticas, sintéticas, cartesianas quem sabe...

- Na verdade, tanto. E arcado estanco, nulo feito fato vazio. De qualquer significado. Mas aí, já mesmo parado, curvo os joelhos. Levo o cotovelo ao chão, as mãos ao rosto. A bandeja formada por meus dedos cerrados ao queixo. E espero passar. Um rio embaixo de mim. Dois sóis e uma lua sobre a cabeça. Ou à frente. Uma manada de nadas, dessas espécimes desesperadas – parece não responder.

Elaborava-se por tópicos, subdivididos em sub-reptícios relatórios pormenorizadamente relatados. Constantes em uma caixola vazia. E a partir dos indícios acumulados, acumulava-se de indícios descompartilhados. Assim vivia. E inquiria, às vezes desabafada.

- A inutilidade de ser-te já me exausta

- Foi assim que fui sendo. E tu e toda tua utilidade, não descansam teus casacos, tuas cascas ao acaso? – pergunta - quer deixar de ser resposta.

Milimetrava a pulsação do corpo. Para não ir além de onde os pés se plantavam. E erguia-se esguia para a voz ser ouvida como vista.

- Eu nunca parei. Para pensar.

domingo, 20 de maio de 2007

Sérias 10

Era uma conversa horizontal. Mas entreolhavam-se de cima para baixo. Alternadamente.
- Com tudo.
- Nem tudo. Simples seria se.
- A gente se acostuma com tudo. Nada é indiferente a nossa indiferença.
- Como nos concebemos. Não do que somos
- Somos só a parte viva do que pensamos. Como nos concebemos.
Os silêncios eram comuns. Minutos duravam, não raro, horas. Palavras medidas, não cabidas em simples sílabas
- Nem tudo
- Ou tudo
- É como a fome.
- De quê?
- Ninguém se acostuma com a fome. Come.
Moveram gestos lentos. Puderam se engolir em paz. Com a fome dos que tem fome. Até a próxima indigesta discussão.

Sérias 9

no que seria mais da oito.
É quase que meu retrato. Apelo-me à retratação. Talvez. Por algumas palavras desajustadas. Poderiam estar reparafusadas. E então tudo em seu lugar. Parece que numa exatidão exata. Voltado a um sonho de céu. Sensação das insensatas. Tentamos, pensemos. Vejamos.
...
- E agora?
- Esquece do tempo. Abraça. Envolve com teus braços esse infinito. De minha presença.
- Estou perdido. Mas me acho desencontrado.

sábado, 12 de maio de 2007

Sérias 8

- Então?
- Então...
- Então tudo que disse ontem é mentira?
- Era verdade ontem
- E hoje?
- Hoje é mentira amanhã.

terça-feira, 1 de maio de 2007

"Ctrl e etc" 01

“A conclamação onipresente sobre o ingresso da humanidade em uma Era Digital nos serve como uma faísca de luz-guia através dos caminhos pisados pelo homem desde seus hodiernos pré-históricos. Nossa análise - restrita, porém com farejos de elucubração – parte justamente das cavernas e da descorporeidade do hominídeo que se abrigava sob rochas.

Este homem, imerso num ambiente hostil, presa exposta aos predadores, é movimento em fuga. Sua situação de acuamento como ser vivente é extensiva ao corpo, que não se ferramenta em respostas à atmosfera de ameaça – pelo contrário, esquiva-se porque ainda não está inserido em condições de revide ao hábitat. A resposta evolutiva da espécie vem com a ereção vertebral e sua conseqüente liberdade de flexão dos membros posteriores.

Em pé e com mãos e braços desimpedidos, os espécimes homens iniciam o estágio de descoberta e exploração de seu meio ambiente, e da subversão deste meio para sua sobrevivência. Suas articulações agora lhe permitem coletar e manejar objetos, transformar ou construí-los para fins diversos como a caça e a defesa, assim como torna possível o agarre e a coleta do que a natureza intacta estimulava a tatear.

O deslocamento - nomadização – e domínio do ambiente - que viria a culminar em técnicas de manipulação da natureza, como agricultura e a domesticação/criação de animais para consumo – levam o homem ao universo de uma corporeidade em descoberta, estimulantemente atingido pela ubiqüidade de um mundo que passava a ser escamado. O corpo como meio de troca e subvenção da presença atinge sua dimensão ocupacional, funcional e sensorial plenos. Um novo mundo passa a ser acessível através da corporeidade.

Foram precisos milhares de anos para que toda bagagem cognoscível acumulada a esta época se transmutasse – ou se desgarrasse – em inúmeras dimensões de inserção do corpo em seu sócio-ambiente, até ser reduzido ao toque de um dedo. Da ante-sala da história aos desacontecimentos pós-historicizados, a incorporação do mundo passa da sensibilidade e intuitividade da superfície corpórea para o acesso ao ambiente convivial através do esbarre de um dedo ao botão.

É esta a principal característica da Era Digital: o acesso ao mundo através dos dedos. Ou dito de outra forma, o redimensionamento de nossa presença corporal no mundo a toques digitais. As conseqüências observáveis dessa transformação são muitas, e vão desde uma nova realidade física do corpo, que se desfuncionaliza e passa a buscar novas funções de ambientação, até a readaptação das estruturas psíquicas e funções sensitivas a uma nova categoria de acesso ao terreno da vida.

Sem dúvidas, porém, a maior mudança provocada pela chegada desta Era é sobre o habitat que passamos a tatear a partir de seu surgimento acelerado. Para que o deleite da Era Digital pudesse ser imersamente experimentado, não bastaria o acesso digital ao mundo. Fazia-se necessário uma natureza correspondente à modalidade de acesso, um mundo encoberto à espera de seus espécimes desbravadores, um mundo naturalmente digital, ao alcance de um pressionar dos dedos. Criado à imagem e semelhança de seu portal, o Mundo Digital passa a ser a realidade da Era Digital – o sócio-ambiente que acessamos sem estar.

Para uma presença sem corpo, um mundo sem corpos. Apenas projeções blindadas do que um dia foi a vida vivida.″


(Marisa Montesquieu in De Esmeraldos a Contratados: uma história do humano pelas veredas da tecno-burocratização da vida)

domingo, 22 de abril de 2007

Sérias 7

Domingo. Hoje são bilhões de Domingos. Cada qual ao teu. Abraçado em enfronhados cobertores - de se decepcionar a depressão.
Nossa existência opaca. Compartilhada na inércia de Domingos.
Neste ar rarefeito, afeito ao clima de ânsia. Num dia descolado de atos.
Que fôssemos menos sétimos dias. Não nos revestiríamos bilhões de vezes. Dessa pele urticária. De Domingos.

Sérias 6

- Preciso aprender a ser só. Me acompanha?
- De longe?
- De dentro.

domingo, 8 de abril de 2007

Clínicas 3

Pelo direito de matar. Pena de morte é defendida por 55% dos brasileiros.

Contra o direito de morrer, a eutanásia é reprovada por um pouco mais, 57%.

Entre viver para matar e não permitir morrer, o melhor é deixar que se nasça. Para 65% da população, o aborto nem merece ser discutido.

No Brasil, a felicidade dos homossexuais é rejeitada por 49% - a quase metade. Para 52%, eles devem ser proibidos de dar amor a uma criança.


Nesta páscoa, 55% dos brasileiros pretendem comprar ovos de chocolate.


sexta-feira, 16 de março de 2007

Sérias 5

Noite dessas, dia chuvoso. Se achega o Manuel Bandeira, quase oswaldiano.
- Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?
Eu com cara de aluno. Na lousa um ditado. Corro com as palavras.
- O céu.
Uma resposta adiante, ele todo prosa. Declama meia dúzia de olhares. Incólume, pouco pulmonar.
- Sobre sua cabeça.
E vai. Como se nem vindo tivesse.

sábado, 10 de março de 2007

Pérfidas 2


Ao inesquecível João Guimarães Rosa

e tudo fazia ou faria sentido. Entre seus sentidos.
- Doutor, é a rosa.
- Pelos sintomas, é um diagnóstico possível. Possível.
há pouco. O de branco mencionara ao de azul sobre o cheiro das rosas. E seus benefícios à memória. Foi um pitaco da ciência no esplendor raso daquela alma humana. Numa panacéia atropelada.
- Tenho certeza. Depois do dito não há dúvidas. O perfume da rosa, a memória, Os dois e minha cabeça. Ela que não sai da minha cabeça. Simples, doutor.
- Não me assustaria. Acompanhei traumas piores.
de branco, vestia um rosto branco. De dentes brancos. Cabelos brancos. Voz acalantadamente branca, branda.
- Pior? O senhor não sabe o que é lembrar de esquecer. Lembrar pra tentar esquecer.
- Bem...
- Claro, claro. Até o Chico Buarque faz parta desse complô.
os olhos percorriam de ponta-cabeças o teto. E se afundavam em teias macias de imaginações.
- Complô? Do Chico Buarque? Calma. Não curo paranóias e afins. Sem exageros.
- É que a música, A Rosa... Ela me lembra ela. Como um eco. Que transita os tímpanos do meu corpo. Memória que ressoa cantos. Por todos os cantos. Faz dueto com Pixinguinha. Por dentro de mim. Divina e graciosa, estátua majestosa. O choro mais incessante. Aguento doutor, diz?
dobraram-se os joelhos. Encurvados obtusamente. No sustento das pernas. A cabeça, pra frente. O olhar perdido. Professava silêncios. Fraquejava palavras.
- O cheiro da pele, doutor. O perfume. Não esqueço nunca. Inundou o ar que respiro. Uma atmosfera transbordante. De rosas vermelhas. Se pudesse apostar, seria nas vermelhas. Mas têm dias que sinto as brancas. Quando acordo. É da mesma pele. Mas são brancas.
- Grave. Muito grave.
voltou a se encostar. Mãos abraçadas. Pensava nos pensamentos. Conectava lembranças.
- Sem falar na beleza. Dela, da rosa. Já enxergou o sublime, doutor? Flerte com as rosas. Beleza irradiante, faz sombra ao sol. Ilumina a memória. E não se apaga. Não sai, não cai. Nem a base de homéricos porres. Fica por lá. Calada, soberana.
- Talvez possa ajudar. Terá que ficar internado. Por pouco tempo.
num susto, saltou e se sacudiu. Como que acordou.
- Nem morto, doutor. O que o senhor quiser menos isso. Sigo o tratamento. Mas não fico encarcerado debaixo destes lençóis. Basta minha prisão sem grades.
o tom da voz recuperara um ar menos sôfrego. Aturdido, ansiava as próximas sentenças. A bula, o emplasto. Os efeitos placebos desmemoriáveis.
- Como preferir. O tratamento dura seis meses. Todos os dias, fielmente. São seis espinhos a cada quatro horas. Engolir a seco. Sem mastigar.
até sorriu. Sem deslocar muitos músculos, mas sorriu.
- E se apagará de minha memória todo esse jardim de pensamentos, doutor?
- Não restarão pétalas sobre pétalas. Nem para um último bem-me-quer-mal-me-quer.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

Clínicas 2

Continuação, por inércia. Jesus Cristo estava na cruz. Pendurado por um cinto. Tinha a cara de um menino. Alcunhado João Hélio. Pilatos e sua gangue o torturavam. Num arraste doloroso. Morreu por nós e a culpa é deles. Dedo em riste, ao pé da cruz. Acusam. E acusam-se. Os vendilhões do templo trocam sua mercadoria. Anunciam crucifixos. Pequenas imagens, do pequeno. Os profetas professam o caminho da salvação. Que o corpo em sua mortalha infantil seja exemplo. Fiéis e infiéis ajoelhados. Num derramar de lágrimas, os olhos sedentos. Justiça seja feita. “Em nome dos Nazarenos”. Profetas e comerciantes se unem aos anunciantes. O nome do redentor se espalha. Em imagens, missas e procissões. Não se ouvia há muito tempo. Por estas terras palestinas, digo. Um coro tão fervoroso de pregações. A morte e a ressurreição pela boca do povo. E como todo cristo que se preze. Aquele pelo qual se reze. Merece ser velado. Com festa. Entrudo, exaltação da carne. É carnaval. Cantam todas as esquinas. Salve João Hélio. Com muito confete. E hipócritas serpentinas. Homenagens ao menino. Fazem-se ouvir. E se ver. Por toda avenida. E já vem a quarta de cinzas. Reflexão dos pecados. Pelo que se tem passado. Continua o espetáculo. Nas noites de quaresma. Os perseguidores serão perseguidos. Pelos papas acusados. Exaltado o nome do menino. Todos seremos salvos.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Clínicas 1

João Hélio é o nome. Que virou até praça. No Maracanã ganhou faixa. E incontáveis passeatas. Todas devidamente abarrotadas de cartazes: "João Hélio", "Paz", "Providências autoridades!". Está nas manchetes, nas eletrônicas enquetes. Daqui a pouco no Youtube vira esquete. O crime bárbaro que o vitimou é a nova vitamina das expiações nacionais. Já se tornou vedete ao vivo a tristeza de seus pais. Depois do Fantástico talvez o Faustão, cobrando justiça e catalisando o clamor da população. O crime hediondo veste a tragédia grega. Jovens e velhos, homens e mulheres, bebês e vermes assistem a reportagem e levantam uma alheia bandeira. E se eu dissesse que tudo é normal – faz parte da tragédia brasileira? Patriotas minguados, ratos abastados, telas cristalinas. São tantos os sujeitos nessa imensa latrina. Do garoto brutalmente assassinado fizeram seu show. Mereceu a classe média uma convocação - ela, sempre tão a espera de uma ordem. De uma opinião pra chamar de sua. Estamos em luto, “olha a nossa cara de indignação”. Não tardou a se levantar do sofá e pedir a cabeça dos assassinos sem sair do lugar. Segue o roteiro da novela da morte cruel do menino, já que a das oito vai mal (mas não percam, vem aí Paraíso Tropical). A barbárie sanguinária e o Big Brother Brasil: shows de realidade. Ligue agora e dê seu voto. Todos têm voz em nossa democrática sociedade.

A violência do ato, uma desumanidade brutal. Demonstração radical de um sistema de forças. O lucro de cinco bilhões do Bradesco segue a mesma lógica, mas é considerado normal. Os requintes de crueldade são sua forma de afirmação. Arrastaram o garoto numa exibição de seus dotes. É como um diploma pendurado da pós-graduação. Somos tão iguais. Seguimos a lei da natureza. A lei do mercado. Os mais aptos sobrevivem, nisso não há pecado. É preciso vencer. Quem ganhar pela inteligência ou por uma boa indicação é eternamente louvado. São muitas oportunidades, é só agarrá-las. Alguns não têm chance no imenso mar de profissionais probabilidades. Que sejam mansos. E nunca atentem contra nossa felicidade. Caso contrário, serão enjaulados. Menor ou maior, preto ou escuro – talvez pardos. Leis serão aprovadas. O exército irá para as ruas. Mais pais e mães darão entrevistas com lágrimas de tristeza. E desejaremos vingança. Favelas serão dizimadas. Sua corja feito frita. Em água fervente escalpelada.

Pobre menino. Vítima inocente de nossa natureza ordinária. Mal viu com os olhos o mundo. Provou do veneno inoculado em todos os seres humanos. A sede insaciável de querer e poder. Não desfrutará dessa sociedade sectária.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Sérias 4

Numa briga de amantes...
- Te faria arcar com o peso das suas palavras se não as engolisse com tanto prazer.
- O quê?
- Cala a boca.

Mundanas 2

Aposentada da União Soviética, a senil Rússia ainda é a mesma. A barba crescida e os cabelos grisalhos tomaram o lugar do bigode bem aparado e o cabalo ruivo corte sisudo. Capitulou ou se capitalizou? Repaginada para virar a página. Atrair menos holofotes. Deixou os servicinhos mais aborrecedores para trás. Que ficar correndo de chinelas na mão atrás de moldávios, geórgios, cazaquistãos e o resto da molecada do bairro que nada. São bem grandinhos, donos de seus narizes - não dos arsenais.

De volta às manchetes, mudou de discurso e alfabeto. Agora é rica comerciante. Vende óleo e gáz. Principalmente aos europeus, antes tão relutantes em se sentar à mesma mesa para um bate-papo camarada. Continua bebendo. Mantém outros hábitos da arrogância juvenil. Anota tudo em seu diário. A tara por armas , por exemplo. Quantas e quantas páginas dedicadas à sua prepotência militar. Fala dos novos brinquedos como uma criança. O helicóptero moderninho, os caças que são a última moda lá nas planícies geladas. E os mísseis, que tamanhos e calafrios. Os planos espaciais continuam. Missão marte? Quem sabe. Coisa engraçada. De todas as línguas em que escreve no diarinho, somente no inglês não menciona a volúpia bélica. Deve ser pra não provocar ciúmes no novo amigo americano.

Quem achava que ia perverter a velha Rússia com timidas insinuações democráticas se deu mal. Mandar por lá é tarefa para poucos. Obedecer, uma ameaça constante. Eleições, por exemplo. São desncessárias. O próximo dono do poder já foi escolhido pelo atual. Está escrito em suas páginas oficiais. Nada de boataria, está pendurado pra quem quiser se aperceber do fato. Se não souberem entender, são outros quinhentos. Em dólares por favor, o rublo é fraco. E o resto é teatro. O controle sobre as marionetes, total. Parece que a liberdade não se acostumou ao frio.

No futebol, os campos continuam glacialmente brancos. Mas os verdes dólares do negro petróleo trouxeram novidades. Fazem compras no atacadão de garotos brasileiros.

As belas russas continuam as mesmas. Umas mais comportadas. Outras, nem tanto.




terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

Sérias 3

- Ama nada
- Amo sim
- Não ama, não
- Amo, juro
- Jura?
- Não sei, você pode ter razão
- Em quê?
- Talvez eu não ame
- Diz que me ama, por favor. Diz...

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

Mundanas 1

- Prenderam o sul-coreano, presidente da Hyundai.
- E?
- Devia mandar e desmandar . Segundo maior grupo industrial do país. Dinheiro e poder pra dar ordem até pro presidente. E mesmo assim foi preso.
- E?
- Pensa bem. Seria como a PF entrar numa reunião da Febraban e sair de lá com todos algemados.
- Mas o coreano roubava. E o crime deles qual é?
- Pois é. Qual é?


O governo indiano quer pendurar uma venda nos olhos do Google Earth. Está preocupado com tanta exposição da intimidade indiana. Pontos muito sensíveis podem ser observados lá do alto da tela do computador. Tara voyeur levada a dimensões territoriais. A preocupação maior nem é o olhar traquina por debaixo das vestes do bilhão e mais um tanto de indianos. São as instalações sensíveis. Usinas nucleares, instalações militares, coisas mais explosivas. Não custa nada o Google dar uma manchada nas imagens. Menos definição e mais prudência nunca fizeram mal a ninguém, já diria algum general de cinco estrelas. O Google está conversando. Parece inclinado a evitar a superexposição dos indianos ao seu programete espião. Censura informações na China mesmo, o que são umas imagens da Índia? Mais um agrado institucional do tipo não fará mal a ninguém - oficialmente falando. E assim vai se acostumando o Google a fazer negócios mundo afora, adentro, acima. E abaixo, dos panos.

sábado, 3 de fevereiro de 2007

Pérfidas 1

- Vai jogar com a quinze?
Descoberta do dia: a quinze pode ser deixada à mesa durante as tacadas. Se cair, perde o jogo seu algoz.
- Sei lá. Que merda. Agora sou culpado por esse mundo ser uma merda?
- Calma. Fica fora a quinze.
- Não era isso. Isso aqui, leu? "Otimistas vivem mais que pessimistas". Como se não crêr nessa gibiteca piegas de realidade fosse uma escolha. Olha, ou você é de Deus ou do Capeta. Ou bom ou mal, otimista ou pessimista. Lorota otária. Faltava uma. Essa. Não compartilha do Éden que servem cotidianamente no self-service da vossa famigeradinha vidinha? Azar. Viverá menos para contar a história. Estoura. Logo.
As bolas se amontoam em um mesmo canto. Uma par, a dois, escorre pela caçapa. Antes, tropeça em outra. Também par. Eis a seis, morta.
- Vai otimista, feliz. Rabisco de Walt Disney. Mata todas e desfruta da eternidade.
- Não entendi. Por que viver mais? Se é uma merda, não vale essa ficha. Na verdade, é máscara. Marra. Realista? Troça. Travesti, caprichoso ainda. Não se auto-ajuda.
Todo pessimista é um otimista fracassado. Opinião de especialistas do comportamento. Alheio. Faz birra para gozar com mais prazer. Opinião de otimistas. E publicitários.
- À puta que o pariu. Não é religião, não vou repetir. Ou acha que fui batizado nas pessimistas águas da Catedal de Schopenhauer? Se fuder. A Ivete Sangalo, ela é ridícula. O novo comercial da Skol, para idiotas. Imbecil não é engraçado. Nada tem graça, vem de graça. Faz tempo. Você não escolhe. Eles te escolhem. Mas, pense como um pessimista. Se a vida é assim, a morte deve ser bem pior. Deve ser colorida. Cheia de coisas divertidas. Bichos. Crianças bebês. Músicas sintéticas. Pessoas felizes. Ou simplesmente nada. Uma hemorragia de extremos.
- É, você está fudido...
Odes ao sarcasmo. Pai do pio pessimismo, hóstia dos incrédulos.
- ... vai morrer cedo e sozinho. E se duvidar, sai no Jornal Nacional pintado de comoção. Qual a parte de sua patética piada sobre o horizonte cinzento que te espera que eu perdi? Ri do quê?
A partida acabada, três jogadas. Consumia-se em equilibristas brasas o cigarro. Filtro branco, amenizai o mal. Amém.
- A notícia aí embaixo, dá uma lida. "Detentos vivem mais que pessoas livres"

Sérias 2

Fugia da diaba como o diabo foge da cruz
Mas que inferno, me esquece
Quanto mais eu rezo mais a tentação aparece
Vai de retro, satanás
Pros diabos que te carreguem
Demônio de saias
Negociou tua alma, deixa a minha onde está
Volta pras profundezas, leva o coração
E me deixa respirar

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

Sérias 1

Agoniza preocupado
com a alça do caixão
Se de prata ou de ouro
ou simplória de latão