quarta-feira, 11 de julho de 2007

Pérfidas 5

Para Quem Pode

2042. As rédeas se apanham a novos enredos. O mundo não está mais sob o controle de mãos humanas. Angulares aparelhos cuja artificial natureza fora um dia de manipulação de homens e seus dedos. Apossaram-se de seus criadores, as criaturas. Durante seus primórdios eles foram apenas blocais aparelhos de comunicação. Boçais telefones celulares cuja função manufaturada em seu gene analógico era a simples troca de sinais entre si. Apenas dar voz aos seus hominídeos usuários humificados. Desenvolvimentos tecnológicos em processos de submissão involuntária vincularam multiplicadas funções a suas carcaças portáteis. À exponencial aceleração de sua propriedade se somaram celeumas de substituições - ritos de passagem para novos e novíssimos aparelhos. Corpos celulares póstumos eram cotidianamente descartados aos milhões em invólucros plásticos negros. Valia a novidade, a qualquer valor. Passaram a receber e armazenar dados em formatos até então desconhecidos de sua natureza eletrônica. Capturavam imagens do mundo, dos homens. Emitiam sons de todas as espécies. Reproduziam-nos a todo o tempo, para posterior armazenamento em pequenas caixas de silício. Guardavam e trocavam dados sigilosos entre si - via laser, via ondas aéreas, via... O acúmulo de utilidades prestadas ultrapassou a fronteira física de seus leves corpos. Engendraram-se em um teia global de trocas informacionais – em substituição a engenharia em rede anterior, formada por computadores pessoais através de uma Internet. Nunca mais voltaram para um bolso ou bolsa. Estavam sempre a mão, à exposição. Tornaram-se imprescindíveis para todos momentos. Um modelo que armazenava e transferia sonhos diretamente ao cérebro de seu usuário durante o sono foi um dos marcos evolutivos das criaturas telefônicas celulares. Noite e dia à espera da ação. As conexões elétricas através de chips metálicos foram enterradas juntas ao último aparelho portador de tal tecnologia no dia 29 de abril de 2023. A nova geração utilizava microssistemas comunicadores estruturados em partículas de DNA. Foi o embrião da nova geração de telefones celulares readaptados ao funcionamento neural. Por meio de sinapses sem conexão física os aparelhos puderam se transformar em mentes pensantes, responsáveis pelo processamento e armazenamento de dados cognitivos complexos – uma caixa craniana substituta. Um segundo cérebro ao alcance das mãos. Mais caros, mais inteligentes. Consciências rápidas, precisas. Funcionais. Designs arrojados – para quem pensa com estilo. Tarefas orgânicas puderam ser captadas e apreendidas via celular. O corpo, máquina executora. Ao estimular os nervos sensoriais humanos, puderam produzir e suprir as funções de fome, prazer, medo, sobrevivência. Por pragmatismo e praticidade. A vida humana foi totalmente transportada para o telefone portável. Apropriada pelo desenvolvimento tecnológico de sua criatura. E então, a inversão. Na Revolução das Máquinas não houve guerras, violência, submissão ou dor. A Revolução das Máquinas foi apenas uma constatação: o homem, agora, era apenas uma das funções do telefone celular.

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