domingo, 6 de novembro de 2011

breves eternidades 5

Meus fantasmas me pediram para escrever algo sobre a solidão. Meus fantasmas não param de me assombrar por um segundo, mas me pediram para esboçar luzes sobre a solidão. Acendo uma vela por eles e apago minha lâmpada.

Não há como mobilizar palavras para construir um punhado de nadas. Talvez cartas de baralho sirvam para esse jogo do ninguém contra o vazio. Tenho nas mãos tantas possibilidades que poderia erguer um castelo de certezas, mas por onde começar? Reina sobre minhas mãos o temor de que tudo desabe antes do primeiro gesto. Elas temem, nós trememos.

Empilho todos os coringas, um sobre o outro, e eles riem de meu esquálido sorriso. Devem estar tentando me dizer pare de errar tanto no inicio, estúpido, tente alcançar algum fim. São irônicos. Podem também estar, do alto de seus chapéus desregrados e da lágrima estampada abaixo da boca vermelha, apenas lamentando por eu errar tanto no início só para não alcançar fim algum.

São muitos ases a minha volta e não consigo escolher qual deles irá tapar este fosso que se formou entre a inaptidão dos gestos e a cegueira aos semblantes. Assumam-se ases, ases, façam o melhor daquilo para o qual disseram que são os melhores, pobres ases. Decepção. Todos escorrem para o buraco e escondidos se amontoam um em cima do outro. Enlutam-se em copas.

Não será fácil erguer uma ideia disforme a partir de números tão exatos quanto estas infinidades de três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, noves e mais noves. Faltariam mãos no mundo para tantas combinações, mas a conta não fecha sem os dois. Os dois perdidos, os dois que sempre me faltam.

Compreendo a escassez, é difícil ser dois neste baralho da solidão. Mas quem vai conseguir explicar aos meus fantasmas que a torre de marfim de nosso castelo será somente a projeção da ausência de dois, de irresponsáveis e indiferentes dois?

Precisarei arquitetar um novo jogo, com peças menos instáveis e movimentos mais previsíveis. Previsíveis como meus fantasmas, que continuam sem saber algo sobre a solidão. No escuro.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

breves eternidades 4

Existe uma distância segura entre nós e eu a chamo de abismo.

Caí dentro de você como quem dorme um sono profundo. Voei por ali, entre corpos, palavras e pulsações nem tão incômodas quanto as sombras dos secos arbustos que, caídos sobre o penhasco, fora de nós, iluminavam todo aquele universo ao redor da minha queda. Tive medo de sair e me flagrei ansioso por continuar a cair. Era um tempo tão suspenso que se o contasse em segundos me faltariam uns dez infinitos nas mãos.

Acordar foi ter de conviver com um sono eterno. Não que me veja raso ou sonâmbulo, mas não me aproximar demais, mergulhar, quero dizer, derruba o que sobra de consciência. Me falta consistência. Pisco e apago. E desperto faço as contas enquanto derramo bocejos na bacia de lágrimas que encharcam meus pés. Não chego a resultado nenhum: sem cálculos possíveis para refazer a ponte entre o que eu era e o que você foi para mim. Que continuem chorando o solo que me suporta e a solidão que sua aridez me impôs. Lanço um aceno, recebo do outro lado mais lados e nenhum todo.

Não existe nenhuma distância entre nós a não ser àquela imposta por duas solidões que já se abraçaram e se jogaram inseguras em queda livre para nenhum rumo. Eu gosto de chamar essa distância que não existe entre nós de abismo.

sábado, 27 de agosto de 2011

breves eternidades 3

É um problema mais do que geométrico.
Dizer sem prudência, aderência ou embaraço vai dar um rolo nessa minha cabeça obtusa.
Questão de espaço, vê?
Que o que ali se enrola é menos labiríntico que um imenso grito ecoado por paredes mudas. Sente?
É de uma intensidade que dá voltas desafiando esse intestino infinito que me preenche de ansiedades caducas, de lacunas.
Se cada lado é menos do que um inteiro para você, nenhuma multiplicação que eu lhe invista vai somar mais que dois – o resto, não me interessa.
Não sei o que fazer, não chego a nenhum resultado que não seja o resto do mínimo sonho da parte que aprendi a reconhecer como o máximo denominador comum.
Deveria providenciar para que todo e qualquer desafinar siga ao menos uma reta, na esperança de ao menos um encontro paralelo. Desisto. Não ter o direito de unir dois corpos fora das leis da física só me esvazia mais de metafísica.
Continuaremos a ser dois seres que não atingem nenhum ponto no espaço e querem se esconder em uma dessas sombras curvas de preguiça.
Talvez fugir para meu quadrado seja o mais cartesiano a fazer. Desse ângulo ao menos não terei a perspectiva de me ver lado a lado com sua forma.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

breves eternidades 2

Se soubesse que travaríamos diálogos tão silenciosos teria te desafiado para um monólogo. Finge, finge e esconde as palavras no bolso dos gestos, mas seus olhos gritam. Não param de te denunciar, dizem que é mais do que o sorriso calado e as mãos espremidas contra o peito. Quais formas de tortura os torturadores mais cruéis recomendariam para desvendar mais do que segredos, apenas sílabas soltas ao acaso de inquisições quase adolescentes? A única tortura possível é abandonar a esperança de sentir tua voz e cair na espiral de silêncio que leva os solitários à companhia de seus mais sedutores fantasmas. Devo tentar ser ouvidos contra sua parede, à espera de palpitações e um suspiro que me preencha do som de seu corpo? Talvez seja demorado como o intervalo entre dois infinitos conseguir ouvir o que queira me dizer, mas a espera será mais profunda que o abismo entre dois universos se me disser o que não quero ouvir. Por enquanto, vamos manter o silêncio entre seus olhos e os uivos ansiosos de minha garganta que só queriam gritar para você que

segunda-feira, 11 de julho de 2011

breves eternidades 1

Não faz diferença se eu começar a contar até um e for até cem ou prosseguir até minhas minhas forças me mastigarem antes do último sorriso. Todos os zeros me descendo pela garganta ainda serão um fio pronto para se dissolver. Não é uma questão de tempo, é mais do que isso. Não é como um grão de sal no oceano. É menos do que isso. Acordei com sede para um porre capaz de me livrar do peso das solas de meus pés. Chutei para o alto toda despretensão e me pendurei pelos tornozelos no pescoço do primeiro pensamento enforcado que me sobrevoou a cabeça. Sair voando por aí com pose de decapitado tem lá seu charme ou alegoria, deve ter. Vejo, ou imagino, lá embaixo uma criança branca, dedos ainda mais brancos, quase refletores, perguntando mãe aquilo é um balão de ar com pernas e braços ou um homem esvaziado de sua cabeça. Mais uma pergunta fossilizada coberta pelos sedimentos gelados da impossibilidade. Não há resposta que consiga superar perguntas que se estendem pelo infinito. Ainda estarei pelos ares quando aqueles tornozelos se juntarem a minha presença, agora rarefeita, sem pé nem cabeça. E ainda estaremos empoeirando um grão de poeira, abraçados, talvez, em algum buraco obscuro do tempo, quando o próximo sonâmbulo decidir pela corda antes que o moinho da eternidade lhe apresente os finos fios com que esmaga a inocência da eternidade.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Ocasionais 7

Eu tenho uma explicação racional, mas você não vai querer entender. Eu disse que não vai querer, não que não vá entender. Não importa, você não é importante, e eis meu primeiro argumento, a primeira perna de minha teoria, a primeira pancada com que pretendo lhe quebrar as pernas. Repito: você não importa, parado, arrastado, de cócoras ou de queixo para o céu.

Vou tentar explicar, me dê as mãos e se faça companhia. Você sempre irá perder todas as coisas que desejou antes mesmo de conseguir pensar em alcançá-las. É empírica sua capacidade de fracassar diante de tuas vontades. Seu pensamento o boicota, não preciso me esforçar para convencê-lo de nada mais do que tal raciocínio.

Não é que não saiba desejar, isso não existe. Sim, os desejos existem, o que não existe é ser inepto para desejar. Desejar é verbo, um grito solitário que ecoa pelos subterrâneos da pele, desejar é libertar um ventríloquo monstruoso que te enredará com as tuas mais fortes fraquezas. Bem, mas isso é sábido e conhecido, está no dicionário sentimental de qualquer adolescente. Pelo jeito nunca teve um desses, não é?

Não largue a minha mão, precisa mais de mim do que um dia pude imaginar. O que deseja? Não seja tão educado. E menos óbvio, por favor. Você nunca teve razão, é isso. Teus objetos, o que projeta, onde se joga, faltam-lhe razões. Os terrenos de teus desejos são teias de insensatez. Não, eu não disse que não seja razoável, disse que suas razões são embaladas no colo de uma brisa alaranjada e fraca. Deixa-se levar pela conversa magra de qualquer sentimento, vai com as outras como veio comigo.

Só poderia ser mesmo um refém dos intransitáveis sons que te percorrem, dessas linhas que te movem para lugar nenhum, cordões que te fazem encenar gestos caducos e tímidos. Você foi silenciado pelos verbos, está condenado a perder tudo o que deseja sem nada alcançar. Nem pensar, nem pensar. Corroído pelas pancadas, manca guiado por mãos que não trazem solução ou explicação, mas uma dúvida fria e dolorida, entende? Não importa...

quinta-feira, 31 de março de 2011

Ocasionais 6

O que é você que só é corpo? Aí estendido, solto, vazio, o que é você? Ontem eu te conhecia, mas agora você não é mais quem eu conhecia. É o que? Você não pode me responder, eu sei, mas isso você já não sabe. Não responde porque não sabe que não pode me responder. Você não sabe mais de nada. Eu queria saber o que é você agora, queria saber o que serei quando já não puder mais saber de nada. No vazio não há perguntas nem respostas, eu sei, entendo, ou deveria entender. Mas ainda assim sempre me pergunto se o silêncio combina com a eternidade. Pelo jeito não é você, corpo só que não consegue mais me dizer nada, que não é mais nada, quem vai fazer algum barulho.

Não posso te odiar, te xingar. Seria como me debater contra um saco de areia e ossos. Se ainda te amo? Seria como beijar o vento. Vou virar as costas e ir embora e você não vai poder sentir minha falta porque o que falta agora é você. Um dia serei também somente ausência, tua ausência não será mais minha lembrança, e então finalmente poderemos dizer que não significamos nada um para o outro. Por ora, enquanto me viro e saio furioso por ter me abandonado para sempre, você está presa em uma lágrima.