quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Pérfidas 9

Foi covardia.

- Me ofereça sua versão. Qualquer uma, ou duas. Todas elas, empilhadas, trôpegas, altivas, pétreas, incólumes ou frouxas – vai, agrida-me, com força. Saque uma delas e atire.

Continuou parado. Mirava o mundo com a boca entreaberta, caída à esquerda. A arrogância que culminava no leve franzir da testa se articulava ainda na postura do corpo. Equilibrava-se sobre um compasso obtusamente aberto. Tocava o solo com a madeira do salto dos altos sapatos. Um dos braços se arqueava até a cintura; o outro, parecia pensar, tão solto quanto burro.

Alinhava o peito ao nariz, e de sua superfície aduncada uma linha imaginária tangia os cabelos. A moldura dos fios remetia a um capacete para bicicletas infantis, com rodinhas. Era seu ponto alto, a metonimização perfeita para aquela personagem.

Continuaram intactos o homem e sua voz. Continuei:

- Sua agressividade me espanta pela mansidão. Se ao menos me socasse, ou espancasse com uma cadeira e depois botasse fogo em mim e nos restos das pernas da desdita. Do estopim de sua ira, porém, só saltam fogos barulhentos e coloridos. Fumaça, entende?

Havia implorado por sua incontinência verbal com o simples propósito de vê-lo nu. Desejava dissecar sua fragilidade, vislumbrar o carbono daquele espécime, por qual espécie fora parido – ou se alimentado. Seria, segundo um raciocínio rápido, como um balão. Esvaziaria em dez ou quinze segundos e, então, murcho, viria ao nosso encontro toda sua constituição de prontas idéias. Fracassada tentativa.

Prometeu me processar. Ir aos jornais.

Não me jurou com a morte, mas cumpriu a sentença imposta pelo nó de orgulho que lhe subiu à garganta.

No fim, um homem de capacete, em cima de uma moto, atirou três vezes contra meu corpo. Um dos projéteis, reluzente como fogo de artifício, embrulhado por uma tênue nuvem fumaça, veio se alojar na parte superior esquerda de meu cérebro.

Versão oficial: roubo seguido de morte.

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