sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Sérias 17

Tive um rio nas mãos.

Ele escorreu até mim num dia que já se partira ao meio. Procurava na sombra de minhas pernas curvadas um abrigo contra os tentáculos do Sol. Queriam evaporá-lo, sussurrou. Ofereci-lhe as mãos, além dos telhados de meu braço. Sua face límpida me sorriu.

Esperei que a sombra maior, da copa da árvore posicionada a minha retaguarda, nos oferecesse a oportunidade da fuga, apanhei-o nos braços e corri. Disparado pelos caminhos rasgados da floresta, fui ao encontro da mais calma penumbra. Sob o manto da ramagem silenciosa, nos deitamos. Conversamos longamente e brincamos repetitivamente, como ondas que vêm e vão. Nos encharcamos. Matei minha sede; ele, sua fome. Me apaixonei. Por sua transparência, por seu frescor. Pela forma que me preencheu cada sulco de vida.

Na caída da noite, perguntei se queria voltar ao riacho de onde se espichara. Turvou suas águas e negou. Encolhido como uma pequena poça, revelou-me seu mais puro desejo: se perder na imensidão do oceano. Disse a ele que o levaria.

Caiu no sono e, enquanto dormia, vi refletida em sua superfície toda a claridade do luar. Quis percorrê-lo com todo o carinho dos céus. Sucumbi, porém, ao mais seco dos instintos.

Silenciosamente, bebi cada gota de seu corpo.

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