terça-feira, 24 de novembro de 2015

remédio


Chorei alguns mundos nos últimos dias antes de chegar até aqui. Parece ruim, e é. Se chora quando há dor, latente em ferida aberta ou aguda a ponto de tornar a respiração rarefeita e a esperança no próximo segundo um peso, então não nos enganemos: é ruim a dor, chega a ser insuportável senti-la. Mas chorei pelo tipo de dor que não me matou por inteiro, só arrancou à força um pedaço de mim, sem que eu pudesse contê-la, ou quisesse. No começo resisti, mas à medida que as lágrimas caiam eu imaginava que o pior já havia ficado para trás, e logo doía mais, e então eu sobrevivia um tanto mais, aos poucos, quieto, aos berros, tentando deixar o tempo tornar mesmo um lapso o que até então desejava que fosse eterno. Não sei se consegui, infelizmente não é tão fácil, mas evoluí: em relação ao que fui ontem, por exemplo, hoje sou futuro, mesmo que esse presente seja passado amanhã. Ainda sinto pontadas, sou traído pela memória, lembro do rosto, do cheiro, dos gestos daquilo que preciso que se torne um quadro fora das paredes do meu corpo, uma lembrança linda e admirável, mas que não tome o leme do que sinto. 

Os anos são curtos, a vida que cabe em cada um deles aos poucos endurece ou se esfarela em momentos, nada segue intacto. Menos mal. Rígido, tento escrever para não me tornar uma cordilheira de memórias pesadas que me  traguem para o fundo de um oceano solitário do qual temo não poder mais emergir. Ainda quero mergulhar nas tempestades mais leves, ser um sobrevivente da gravidade da dor que se esvai para deixar o tempo de novo flutuar. 

Dói, mas nada é tão ruim enquanto restar um sonho de céu.


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